A educadora alemã Martina Roth, defende uma transformação do processo de ensino e aprendizagem que prepare as crianças para enfrentar as novidades do século 21, com um currículo em que os projetos substituam as aulas.
Formar jovens aptos a lidar com as novas exigências deste século é uma meta que só será alcançada com uma transformação sistêmica da Educação, com intervenções no ambiente escolar e no currículo. Essa é a opinião da alemã Martina Roth, mestre em Pedagogia, doutora em Filosofia e diretora de Estratégia, Pesquisa e Política da Educação Global da empresa de tecnologia Intel. Ela já participou da implementação de programas educativos em cerca de 50 países de três continentes e de alianças estratégicas para iniciativas globais, ao lado de representantes de entidades mundiais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em entrevista a NOVA ESCOLA, Martina fala sobre como a tecnologia pode modificar a dinâmica de ensino e aprendizagem e cita as experiências bem-sucedidas de outras nações, que podem servir como referência para as escolas brasileiras.
Vivemos uma época caracterizada pelo avanço das tecnologias e pelo surgimento de novos paradigmas de aprendizagem. O que cabe à escola nesse sentido?
Martina Roth - As exigências e oportunidades relacionadas às tecnologias hoje são enormes para todos os países. Para lidar com isso, é essencial pensar em meios de desenvolver nas escolas as habilidades que as crianças precisarão para enfrentar o século 21, como pensamento crítico, capacidade para resolver problemas e tomar decisões, boa comunicação e disposição para o trabalho colaborativo. As nações que trabalham para integrar essas novas habilidades à prática escolar e propiciam, por exemplo, uma relação mais próxima entre professores e alunos e um atendimento quase personalizado às necessidades deles têm mais chances de avançar. Nesses países, o sistema político dá suporte à transformação sistêmica na Educação. O mais importante é garantir que toda criança tenha acesso ao ensino e à tecnologia de forma igualitária.
De que forma o uso das tecnologias altera o trabalho do professor e a relação dos alunos com o estudo?
Martina - No momento em que se oferecem computadores às crianças e aos professores - e o Brasil já está começando a fazer isso -, há duas situações possíveis. O docente pode usar o computador apenas para preparar o material para as aulas. Mas ele também pode se valer da tecnologia para estabelecer uma metodologia diferente, um novo tipo de relação com o aluno, muito mais personalizado, e isso me parece o mais importante. A tecnologia permite o trabalho individual e em grupo de maneira mais eficaz. O aluno, quando está em casa, consegue se comunicar com o grupo da escola, os pais podem observar seus avanços e o processo de aprendizagem ocorre de forma mais natural e espontânea. O estudante fica em contato com o conhecimento não apenas no período em que está na escola mas também no restante do tempo. É claro que, no caso dos professores, há uma transformação cultural importante acontecendo e toda transformação exige algum nível de esforço. Eu creio que é uma mudança positiva. A experiência nos mostra que os professores que já estão envolvidos em programas de treinamento estão muito mais motivados a ir além na prática pedagógica para aprender cada vez mais sobre as tecnologias e sobre como utilizá-las em salas de aulas.
Quais os primeiros passos para fazer uma mudança sistêmica na Educação de modo a permitir que a formação inicial e continuada do professor atenda às novas exigências?
Martina - O mais importante é contar com o apoio governamental e com políticas que deem suporte a todas as escolas do país. É preciso ter um plano geral para as mudanças necessárias e esse é um ponto crítico porque elas levam tempo, não podem ser feitas no curto prazo. O governo deve prover os recursos para que essa transformação ocorra, com cursos de capacitação de professores e parâmetros curriculares alinhados às novas exigências.
As mudanças mais importantes se relacionam à infraestrutura e ao acesso às tecnologias ou dependem mais de uma atualização curricular?
Martina - Deve-se trabalhar nas duas frentes. Porém apenas ter computador na escola, sem uma estratégia para educar usando as novas tecnologias, não basta. Não haverá nenhum avanço. Depois, é necessário permitir que os professores busquem o bom uso dos computadores, o que significa oferecer novas perspectivas pedagógicas e metodológicas. São dois elementos que andam juntos. Avançar com um sem dar atenção ao outro é desperdiçar dinheiro. Nesse processo, as avaliações também são fundamentais para que os resultados sejam mensurados. Isso permite investir em modificações contínuas com vistas ao aprimoramento constante.
De que forma as tecnologias interferem no currículo?
Martina - Elas permitem um novo olhar sobre ele. Quando são utilizadas em classe, possibilitam o acesso a materiais de todo o mundo. Mas não basta dar liberdade para que a turma explore tudo isso. É fundamental guiar o aluno nesse processo, ensinando-o a usar as informações, a tirar conclusões com base nelas, definir o que é prioritário em cada caso, estabelecer uma colaboração em diversos níveis e avaliar o que é público e o que é privado. É uma grande mudança. Qualquer mecanismo pensado para guiar e controlar as tecnologias precisa envolver o professor e os gestores da escola. As disciplinas não podem mais ser vistas de modo individual. Devem se relacionar intimamente. Isso precisa estar previsto no currículo. Uma questão fundamental é pensar em projetos, em vez de aulas, permitindo que o aluno aprenda ao longo do processo, trabalhando diversos conteúdos ao mesmo tempo.
Quais as habilidades necessárias a um professor atualmente para a construção de um sistema de ensino de qualidade?
Martina - Em primeiro lugar, os professores têm de dominar as habilidades exigidas dos alunos, como pensamento crítico, capacidade de resolver problemas e de tomar decisões, boa comunicação e disposição para o trabalho colaborativo. Os programas de formação crescem em todo o mundo. O professor é um líder e precisa atuar como tal na sua sala de aula - o que também vale para o diretor. Além disso, em alguns momentos, a escola necessita usar procedimentos típicos de empresas, como avaliar constantemente os processos e analisar onde avançar e onde retroceder. Os docentes precisam trabalhar mais integrados. Não é possível fazer as mudanças necessárias se cada profissional continuar pensando individualmente. Dominar as novas linguagens, especialmente a da internet, é outro ponto importante e que precisa de atenção.
Não basta deixar que as crianças usem a tecnologia em sala de aula. É preciso dominá-la para atribuir novo significado a esse uso.
Como a tecnologia pode ser usada para aproximar as famílias da escola? De que forma envolver os pais nas atividades cotidianas?
Martina - Uma coisa com a qual todos concordamos é que o envolvimento dos pais nas atividades escolares dos filhos é muito pequeno e se resume à participação em algumas reuniões no ano letivo. A tecnologia, nesse caso, facilita o acesso das famílias não só aos professores mas também aos gestores. Além disso, os responsáveis pela criança podem consultar, pela internet, a programação de atividades e, em muitos casos, até o boletim na página da escola. Eles também podem ser incluídos em algumas atividades, contando suas experiências. Se há um tema específico na aula de Geografia, por exemplo, envolvendo a indústria, posso fazer uma videoconferência com um dos pais da comunidade escolar que atua nesse setor. E o fato de ver uma pessoa falando sobre o tema da aula, em vez de apenas ler sobre ele, fará toda a diferença para os alunos. A tecnologia pode ajudar a reduzir a distância entre os pais e a escola.
Como os alunos devem ser preparados? Basta ter familiaridade com os programas e saber operá-los?
Martina - O estudante tem de saber operar computadores e desenvolver habilidades básicas, como segurar e movimentar o mouse. Mas só isso não basta. Ele precisa ter em mente os objetivos das atividades no computador. As crianças e os jovens normalmente apreciam a tecnologia pela tecnologia. Cabe ao professor conduzir os estudantes de acordo com o projeto desenvolvido em classe. Ele pode, por exemplo, sugerir que façam uma pesquisa na internet e colem o texto em um documento. Outra opção é solicitar uma apresentação com fotos ou a gravação e a postagem de um pequeno vídeo no YouTube sobre o que aprenderam. Isso gera um envolvimento muito maior. E grande parte dos alunos já vai saber como fazer isso porque faz em casa. O que eles não sabem é como toda essa tecnologia pode servir aos objetivos didáticos e ser usada na escola. Esse é o papel do professor.
Qual é o futuro do processo de ensino e aprendizagem, em relação à Educação escolar, com os avanços tecnológicos que devem surgir nos próximos anos? Os professores devem se preparar para quê?
Martina - Essa pergunta é muito difícil porque a tecnologia é ilimitada e se transforma em uma velocidade incrível. Amanhã pode ser que apareça uma solução que hoje nós não conseguimos sequer imaginar que será desenvolvida. Mas creio que o mais importante é trabalharmos com a visão de que as crianças não aprendem apenas na sala de aula mas também fora dela e que a tecnologia aumentou o acesso ao conhecimento. Elas já chegam à escola sabendo muito mais. Isso deve ganhar força nos próximos anos, o que vai transformar a relação entre professor e aluno de uma maneira incrível. Não há limites para o que ainda está por vir.
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